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Queda na popularidade de Bolsonaro e CPI aliviam colapso da imagem do Brasil no exterior (EL PAÍS)

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Reprovação crescente do presidente, atuação mais incisiva de opositores e instalação da CPI reduzem perplexidade internacional com falta de reação ao projeto de Bolsonaro

OLIVER STUENKEL
10 MAI 2021 – 19:42 CEST

A imagem do Brasil no exterior passou por um colapso inédito ao longo dos últimos anos, e o país virou símbolo da negação da ciência, da má gestão da pandemia, do pensamento antiambiental, dos ataques contra a cooperação internacional e da erosão da democracia. Hoje, é muito difícil ler um artigo ou ouvir um debate lá fora sobre um desses fenômenos que não cite o Brasil como mau exemplo. Nos últimos meses, porém, tem se observado uma ligeira melhora na maneira como o país é percebido no exterior.

Para compreender os motivos disso, é preciso lembrar que um dos fatos que mais despertou perplexidade entre observadores internacionais foi a falta de uma forte reação da oposição ou mesmo da população brasileira em geral à postura negacionista do presidente durante o primeiro ano da pandemia.

Diferentemente da população estadunidense, que não reelegeu Donald Trump devido a sua péssima resposta à crise sanitária, ou da de muitos países europeus, onde políticos negacionistas perderam apoio, a brasileira vinha mantendo o presidente Bolsonaro com altas taxas de aprovação. Diferentemente da oposição estadunidense, que não cansava de atacar Trump por sua estratégia de minimizar a ameaça da pandemia à saúde pública, os adversários políticos de Bolsonaro pareciam, aos olhos da comunidade internacional, pouco coordenados e incapazes de fazer frente à avalanche diária de comentários bizarros do presidente, que obtiveram visibilidade internacional. Pesava contra a imagem brasileira o fato de que a reeleição de Bolsonaro em 2022 não era apenas uma possibilidade, mas o cenário mais provável.

Nos últimos meses, porém, três fatores fragilizaram a narrativa, até então dominante lá fora, de que o Brasil parecia insensível à postura de seu presidente. Primeiro: notou-se uma queda nas taxas de aprovação de Bolsonaro. Segundo: pela primeira vez desde que ele assumiu a presidência, entrou no circuito um adversário político capaz de pautar a agenda internacional, articulando um forte contraponto à posição do Governo. Em março, por exemplo, durante entrevista à CNN Internacional, o ex-presidente Lula apontou, um por um, os principais erros do Governo brasileiro que vinham gerando críticas no exterior, desde a má gestão da pandemia até a ameaça autoritária, passando pela postura negacionista na área ambiental. Lula sinalizou à comunidade internacional haver um projeto político alternativo com chances reais de vencer o bolsonarismo em 2022. Terceiro: a instalação da CPI da Pandemia, que tem tido ampla visibilidade no exterior, é vista lá fora como um sinal de que a oposição brasileira não só está reagindo à má gestão da pandemia, como também cumprindo uma de suas funções-chave numa democracia, ou seja, fiscalizar a atuação do presidente da República. Parece certo que, desde a posse de Bolsonaro, os últimos meses foram os menos ruins para a reputação do país no exterior.

Ouvindo autoridades em Washington, Bruxelas, Berlim e Pequim, fica evidente, porém, que nada disso é suficiente para recuperar a imagem positiva do Brasil, algo possível somente com a saída do presidente brasileiro. Uma das tarefas mais árduas de qualquer sucessor, desde que tenha postura verdadeiramente democrática, será buscar reverter o estrago feito na reputação do Brasil ao longo dos últimos anos, que deixou o país diplomaticamente isolado.

Afinal, da mesma forma que a atuação de uma oposição democrática pode reduzir o impacto negativo de um presidente com viés autoritário sobre a reputação do país, a existência de uma oposição com convicções autoritárias pode minar a capacidade de um líder democrático na hora de querer melhorar a imagem do país. Os EUA servem como exemplo disso.

A vitória relativamente apertada de Biden contra Trump no ano passado e o controle que o ex-presidente mantém sobre o partido Republicano reduzem a capacidade do atual presidente estadunidense de alcançar seus objetivos no âmbito externo, entre eles o mais importante: convencer os aliados dos EUA a apoiarem Washington na criação de uma aliança contra a China. O ceticismo dos aliados é fácil de explicar: líderes em Berlim, Londres e Tóquio não podem ter certeza de que Trump não estará de volta à Casa Branca em 2024.

Essa dinâmica terá profundas implicações para a diplomacia do Brasil pós-Bolsonaro. Se um candidato vencer o atual presidente brasileiro por margem estreita, suas promessas de que o Brasil se afastará das posturas bolsonaristas terão bem menos peso do que se Bolsonaro for derrotado de maneira acachapante em 2022.

De fato, quanto mais elevada a chance de o bolsonarismo retornar ao poder no futuro, mais difícil o trabalho do próximo presidente de desfazer o dano na imagem do país desde 2019 ―afinal, trazer o Brasil de volta à mesa dos países comprometidos em oferecer soluções para os maiores desafios globais da atualidade faz pouco sentido se Bolsonaro ou um outro negacionista estiver no Planalto em 2027. Dito de outra maneira, para reerguer a imagem do Brasil e recuperar sua relevância no contexto internacional, o caminho mais seguro será garantir que ideologias radicais como o bolsonarismo voltem às sombras, onde estiveram durante as primeiras três décadas da Nova República.

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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