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Conflito na Ucrânia veio para ficar (Estadão)

Por Oliver Stuenkel
25/04/2022 | 05h00Atualização: 25/04/2022 | 14h25

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Humilhação militar da Rússia nos últimos dois meses não deve levar Moscou a se retirar do vizinho

Mesmo se Vladimir Putin anunciar algum tipo de vitória e o fim de sua “operação militar especial” na Ucrânia em 9 de maio, quando a Rússia celebrará a vitória sobre a Alemanha Nazista na 2.ª Guerra, isso será apenas um recuo temporário na tentativa russa de trazer a Ucrânia de volta para sua esfera de influência, projeto que teve início há mais de oito anos, quando a Rússia invadiu a Crimeia e começou a apoiar os separatistas no leste ucraniano.

É evidente que a invasão da Ucrânia inteira no fim de fevereiro resulta de vários erros de cálculo por parte do presidente russo e acabou expondo as graves deficiências estratégicas e tecnológicas de suas Forças Armadas. Graças a Putin, o Ocidente, fragilizado pelo Brexit e pela ascensão de líderes populistas como Donald Trump, está mais unido hoje do que em qualquer momento dos últimos anos. Mas é pouco provável que os eventos dos últimos dois meses tenham mudado os principais objetivos estratégicos de Putin no país vizinho – e, apesar dos reveses, seria um erro acreditar que a Rússia não possa alcançá-los ainda.

O cenário mais provável hoje é de um conflito congelado de longo prazo, com a Rússia controlando da Crimeia a significativa parte de Donbas, enquanto a Ucrânia tem capacidade de controlar e defender o restante de seu território.

Esse cenário pode parecer pouco satisfatório para a Rússia, mas as alternativas de Putin seriam piores: uma retirada das tropas russas de todo o território ucraniano, como Volodmir Zelenski e o Ocidente estão pedindo, seria politicamente inviável para ele depois de tantas vidas russas perdidas e as consequências catastróficas para a economia do país.

Há outro incentivo para Putin manter o controle sobre os territórios conquistados na Ucrânia até agora. A saída russa dificilmente faria os países europeus e norte-americanos desistirem de seus planos de intensificar ainda mais as sanções e reduzir sua dependência econômica da Rússia ao longo dos próximos anos.

O choque que o ataque da Rússia produziu na opinião pública ocidental não representa um mal-estar temporário, mas uma mudança de época: formou-se um amplo consenso em países como a Alemanha de que a aposta na aproximação econômica com a Rússia foi um erro, e é pouco provável que um futuro governo alemão possa convencer sua população a voltar a depender do gás russo.

Nos EUA, mesmo a volta de Trump à presidência dificilmente mudaria o desejo do Congresso americano de isolar a economia russa. Com a relação entre a Rússia e o Ocidente em estado praticamente irrecuperável por anos, persistir na Ucrânia é a opção menos pior disponível para Putin.

Outra vantagem para o Kremlin é que um impasse permanente dificilmente pode ser interpretado como uma vitória da Ucrânia. Na semana passada, um general russo anunciou que as forças russas buscavam controlar todo o litoral sul ucraniano até a Moldávia, país onde Moscou controla uma região separatista por meio da presença de tropas russas. Hoje a Rússia não tem meios militares para implementar esse plano.

O objetivo do anúncio parece ser lançar dúvida sobre as futuras intenções da Rússia, dificultando a estabilização econômica da Ucrânia e sua aproximação ao Ocidente. Afinal, um país sob constante ameaça de uma nova invasão militar não é atraente nem para investidores nem como potencial novo integrante da União Europeia.

Por fim, a aposta de Putin é que o Ocidente perca interesse no conflito na Ucrânia ao longo dos próximos anos. Ele pode estar certo: uma vez que o Ocidente tiver completado o processo de reduzir sua dependência econômica da Rússia, e a Ucrânia não depender mais da ajuda militar permanente do Ocidente para defender sua capital e o oeste do país, é plausível que a opinião pública ocidental queira virar a página e focar em outras questões, como a ascensão da China.

Para muitos países em desenvolvimento, o custo de um conflito permanente na Ucrânia será altíssimo. O novo status quo global pós-guerra, marcado por tensões geopolíticas e sanções ocidentais contra uma das maiores superpotências energéticas e agrícolas do mundo deve manter elevado o custo da energia e dos alimentos e causar instabilidade econômica e política ao redor do mundo. As recentes manifestações em massa em Sri Lanka e no Peru, fruto do descontentamento popular com o aumento de preços, bem como a instabilidade financeira ou política em países como El Salvador, Egito, Paquistão e Tunísia, parecem ser os primeiros sinais do que está por vir.

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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