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Entrevista: “Acordo trará efeitos econômicos e diplomáticos” (Revista da Indústria Brasileira)

ENTREVISTA Oliver Stuenkel, professor da FGV-SP.

O fato de o Brasil ocupar a presidência pro-tempore do Mercosul e a Espanha do Conselho da União Europeia pode facilitar a conclusão do acordo comercial entre os dois blocos?

Sem dúvida. A Espanha gostaria de deixar a ratificação do acordo comercial com o Mercosul como um dos grandes legados da sua presidência rotativa do Conselho da União Europeia. Há um esforço nítido, tanto no âmbito da diplomacia de alto nível, quanto no âmbito da diplomacia cultural, envolvendo a sociedade civil e universidades. A atual situação produz uma janela de oportunidade e se ela não for aproveitada, as chances para a ratificação devem cair. As eleições para o parlamento europeu em julho de 2024 podem complicar o processo e a composição do próximo parlamento pode ser mais protecionista. Entre o público europeu, há um maior ceticismo em relação ao acordo do que entre a população dos países integrantes do Mercosul.

Quais os principais ganhos para o Brasil e para a indústria brasileira em especial?

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia poderá trazer ganhos de em torno de R$ 500 bilhões em dez anos para o Produto Interno brasileiro, e pode gerar investimentos adicionais de mais de R$ 400 bilhões no Brasil na próxima década. Deve impulsionar a economia brasileira e vai contribuir para o processo de abertura. Isso é uma boa notícia para um país como o Brasil, que por muitos anos teve uma das economias mais fechadas do G20, e deixou de aproveitar as oportunidades que o mundo mais globalizado oferece. Numerosos setores brasileiros – como o sucroalcooleiro, os grãos, as carnes e frutas terão a oportunidade de ter uma maior participação no mercado europeu. O acordo também vai gerar ganhos concretos para a indústria brasileira, que passará a se integrar às cadeias globais de valor ao poder importar componentes de outros países com mais facilidade, fabricar um produto final ou outro componente e reexportá-lo. As cadeiras de valor na Europa são altamente inovadoras, o que deve tornar a indústria brasileira mais competitiva. O Mercosul é o único bloco comercial relevante na América Latina com o qual a União Europeia não tem um acordo comercial preferencial. A ratificação dará às empresas brasileiras acesso ao mercado europeu, o maior mercado comum do mundo. O acordo, portanto, representa uma grande oportunidade para a indústria brasileira e pode ser uma peça importante na estratégia do governo atual de promover o processo de industrialização do país.

Como o acordo Mercosul-União Europeia pode ampliar a participação brasileira no comércio mundial?

O acordo prevê que mais de 90% dos produtos do Mercosul e da União Europeia serão isentos de tarifas alfandegárias na próxima década. Ele portanto ampliará, automaticamente, a participação brasileira no comércio internacional, mas também deve tornar a agricultura e indústria brasileira mais competitiva de forma mais geral. Uma vez que o acordo seja ratificado, o Mercosul deve avançar nas negociações comerciais com outros parceiros, como a China.

O âmbito externo também é favorável. Um número cada vez maior de empresas busca aumentar sua resiliência geopolítica, quer diversificar geograficamente para estar preparado para a próxima crise geopolítica, seja na Ucrânia, seja em Taiwan, seja no Oriente Médio. O Brasil está longe desses pontos de tensão e oferece um mercado grande com um risco geopolítico baixíssimo.

Como a população brasileira será beneficiada com esse acordo?

A ratificação deve impulsionar o crescimento da economia brasileira, contribuir para a criação de empregos e o aumento da competitividade da economia brasileira. Além disso, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia facilita o processo de cidadãos brasileiros prestarem serviços na Europa, inclusive a título temporário, por meio de contratos comerciais ou como profissionais independentes.

E quais os entraves para finalizar o acordo, fechado inicialmente em 2019?

Os principais detratores hoje são lobbies agrícolas em alguns países europeus, sobretudo na França. Além disso, alguns grupos ambientalistas temem que a ratificação pode ter um impacto negativo no combate contra o desmatamento no Brasil. Porém, muitas vezes esses argumentos se misturam com uma rejeição geral do livre comércio, e o acordo já possui regras robustas que devem fortalecer o combate contra o desmatamento. O anexo recentemente apresentado pela União Europeia, que inclui regras adicionais sobre o desmatamento, complica as negociações nessa reta final, mas não o vejo como um obstáculo insuperável. O Mercosul apresentará uma resposta formal ao anexo em julho, na ocasião da cúpula em Bruxelas. Ainda são cautelosamente otimista que a ratificação possa acontecer nos próximos meses.

Qual o efeito do acordo Mercosul-UE sobre o protagonismo brasileiro nos organismos e agendas multilaterais?

Uma onda populista, nacionalista e protecionista varreu o mundo – sobretudo o Ocidente – ao longo dos últimos anos. A ascensão de Trump, a guerra comercial entre os EUA e a China e o Brexit dificultam o processo de construir um mundo mais integrado e próspero. Porém, os países que deixam de apoiar a globalização também perdem influência nos órgãos internacionais, como tem sido o caso dos EUA durante o governo Trump. A ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia seria um marco histórico. Tanto para o Mercosul quanto para a União Europeia, seria o maior acordo comercial nas suas respectivas histórias – e um sinal importante que, no meio das turbulências geopolíticas da atualidade, os dois blocos apostam na abertura comercial. O acordo fortalecerá a influência brasileira na Europa, mas também permitirá que o Brasil participe ativamente do debate global sobre o futuro da globalização. Por fim, o acordo também aumentará o poder de barganha do Mercosul e do Brasil na hora de negociar com os EUA e a China. 

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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